“Uma guria balzaquiana, viciada em arte e tão louca por design que desafia a rinite diariamente porque vive feliz no meio da serragem”. A declaração ilustra bem o perfil de Juliana Bello Schlichting, um misto de historiadora, marceneira, designer e maker. Ela também é a fundadora da Guria Marcenaria Fina, que tem foco no desenvolvimento de produtos originais feitos à mão.
Em tempo, o movimento Maker é uma extensão da cultura Faça Você Mesmo ou, em inglês, Do It Yourself (ou simplesmente DIY). Esta cultura moderna tem em sua base a ideia de que pessoas comuns podem construir, consertar, modificar e fabricar os mais diversos tipos de objetos e projetos com suas próprias mãos.
“Sou uma aprendiz, mas gosto do termo maker por ser uma extensão do conceito DIY”, explica Juliana, que tem formação em História e é pós-graduada em História da Arte na Belas Artes (Embap).
Guria Marcenaria Fina
“Foi durante os estágios da Faculdade que tive maior contato com o mundo das artes, restauro e design. Com a pós, aflorou a vontade de colocar a mão na massa. Esta necessidade de criar, combinada ao clube de marcenaria que comecei a frequentar, evoluiu naturalmente para o campo do design de mobiliário”, explica Juliana Schlichting.
Nascia, assim, a Guria Marcenaria Fina, em Curitiba (PR). “A empresa surgiu a menos de um ano, inspirada pela vontade de tornar acessíveis produtos originais feitos no Brasil”. A escolha do nome Guria Marcenaria, descreve a empresária, tem forte relação com o conceito da marca, que é a valorização da produção artesanal e regional. E vai além disso: “Reforçar que não existe ambiente masculino ou feminino. Lugar de Guria é onde ela quer estar”.
Para quem desconhece o termo guria, devido às regionalidades de nosso país, na região Sul ele é utilizado para descrever “menina, moça, mulher jovem”.
Juliana descreve sua empresa como uma pequena marcenaria, onde se compõem peças a mão e com o coração. “A ideia da marca basicamente é desenvolver produtos tecnicamente viáveis, financeiramente atraentes e esteticamente desejáveis”. “Trabalho sozinha; desde o momento da escolha da matéria-prima até o último detalhe, tudo é feito por mim”.
Admiração e peças destacadas
Apesar da recente carreira com o design de mobiliário, Juliana já tem motivos para comemorar. Sua peça mais marcante até o momento é o Gabinete Voilà, que foi finalista do Prêmio Salão Design deste ano. “Foi um grande incentivo para mim, que estou apenas começando”, comemora.
O Gabinete Voilà, diz Juliana Schlichting, foi pensado para organizar os produtos de higiene pessoal em pequenos banheiros e cômodos. Para isso, foi desenvolvido um sistema de extração bilateral da gaveta, o que valoriza o espaço de circulação independente do layout do ambiente. “O espelho principal está sempre à mostra, oferecendo uma constante sensação de amplitude e o usuário não tem dificuldade em acessar seus pertences”, explica. A peça apresenta ainda um espelho articulado.
Juliana também revela admiração pela Linha Orvalho, de sua autoria e disponível em três modelos: Arandela, Luminária de mesa e Pendente.
“Ela é simples e tem a suavidade da plástica de uma gota de orvalho, com o charme artesanal”
A ‘aprendiz’, como ela mesmo diz, acredita que seu caminho no design de mobiliário ainda é longo e que tem muito a aprender. “Sigo estudando e pensando em novos traços para a marcenaria. Mas, por hora, estou desenvolvendo uma linha para sala de estar – ainda em fase de prototipação”.
Vamos aguardar e torcer pelo sucesso da Guria Marcenaria Fina, mas antes confira o nosso bate-papo com Juliana Bello Schlichting. Para conhecer mais detalhes do trabalho, acesse o site da marcenaria.
Processo criativo e design autoral
Como é a sua rotina de trabalho e o seu processo criativo?
Uma boa ideia não vem do dia para a noite. O processo de criação das peças começa com a observação em objetos do dia a dia. Meu processo criativo é um pouco caótico, as vezes desenho à mão outras no computador, e em outras ocasiões vou direto para a produção, com a mão na tábua. E com as experimentações na marcenaria, entre acertos e erros, as formas vão surgindo.
Qual seria um aspecto importante ou característica do seu trabalho? E com que materiais gosta de trabalhar?
Em todas as peças tento prezar por uma estética limpa e ousada. Não posso dizer que a Guria Marcenaria Fina tem um DNA definido, mas também não me preocupo com isso, pois acredito que cada designer / artista tem a sua própria poética. Estou aprendendo e aberta para experimentações. Por isso, não pretendo me limitar sempre ao mesmo material.
Design autoral no Brasil, é possível? O que falta ao mercado brasileiro?
O design autoral brasileiro anda fazendo muito sucesso no exterior. Mas, infelizmente, ainda cabe aos designers criar a ponte entre o design autoral e a indústria, e reforçar que o design é uma ferramenta de competitividade. O empresário moveleiro precisa parar de confundir o designer com o projetista, como também de “se inspirar” no design estrangeiro.
Comercialização e presença feminina
Você tem contato com indústrias para a comercialização das suas peças ou essa estratégia não faz parte dos seus planos?
Produzir por conta própria encarece o produto e as parcerias com a indústria não acontecem facilmente. Mas, procuro desenvolver peças tecnicamente atraentes pensando numa produção industrial. Apesar de minhas peças serem feitas de forma artesanal, pretendo levar algumas delas para uma produção industrial, tornando-as mais acessíveis.
Quais são os maiores desafios de comercializar os seus trabalhos junto ao consumidor?
É a mudança da cultura do consumo. As pessoas ainda priorizam o preço na escolha de um produto e não onde e como é feito.
Uma mulher em um ambiente quase que “masculino”. Isso ainda é um tabu ou essa sinalização já não faz mais sentido hoje?
Ainda tem muita gente que pensa isso, sim. Felizmente isto está mudando, com muitas fábricas dando preferência pela contratação de mulheres, por considerá-las mais caprichosas que os homens.
Como você enxerga o empoderamento feminino no universo do design e marcenaria?
E difícil ver o empoderamento feminino numa área específica; ele é amplo e visa justamente a quebra de barreiras de gênero em todos os campos. Não simpatizo muito com a palavra empoderamento; na minha visão, a palavra “poder” dá a entender, à primeira vista, uma dominação do gênero feminino sobre o masculino. E não é isso que as mulheres buscam.