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Conciliar projetos de arquitetura residencial, comercial e de interiores com design de mobiliário não é tarefa fácil, mas o arquiteto Leandro Garcia faz parecer que é, tamanha é a sua desenvoltura em transitar entre essas áreas. E essa parece ser uma característica própria de quem combina talento com dedicação.

“Acredito que tudo é um processo de evolução, que precisa ser feito sob bases sólidas. Estamos no começo, ainda temos muito a aprender e a fazer no estúdio e para os clientes”, conta Garcia, que recebeu nossa equipe em seu escritório para uma entrevista exclusiva em Curitiba (PR). O local será um híbrido entre estúdio de arquitetura e galeria para exposição de peças assinadas por ele.

“Esse mercado de arquitetura, interiores e mobiliário tem uma série de maneiras de ser explorado, mas ao unir esses campos no estúdio, isso fica muito transparente e reflete um pouco as inúmeras formas de atuação existentes. Com isso, desejamos ainda que nossos clientes e visitantes percebam a forma como trabalhamos”, explica o arquiteto.

 

 

Atuação multidisciplinar

Paulista, Leandro Garcia fez da capital paranaense sua cidade e está à frente de uma equipe que conta também com as arquitetas Gabriela Alarcon e Camila Pagnoncelli. Todos se envolvem em todas as etapas e nos mais diversos projetos. Segundo o arquiteto, o que o atrai na arquitetura é essa riqueza de possibilidades e não faz sentido formar pessoas especializadas em determinada área ou tarefa. “Esse envolvimento e essa mudança de fazer vários projetos ao mesmo tempo traz dinamismo ao trabalho”, explica.

Parte desse pensamento, conta, vem de suas experiências profissionais anteriores. Leandro Garcia trabalhou com Marcelo Rosenbaum ao longo de três anos, produzindo diversos projetos comerciais, residenciais, cenográficos e de mobiliário. Depois, também por três anos, integrou a equipe do arquiteto Isay Weinfeld e aperfeiçoou ainda mais essa multidisciplinaridade. “Acabou sendo natural atuar nesses campos. Afinal, arquitetura e design permeiam tudo. A diferença entre essas áreas, muitas vezes, se resume a escala”, esclarece.

A relação arquitetura e design também o ajuda principalmente a pensar em como as peças estarão inseridas nos espaços.

“Arquitetura não é simplesmente fazer. Arquitetura é uma forma de pensar”

A fim de ampliar o espaço de estar, a cozinha do apartamento em Perdizes (SP), foi integrada à área social e, uma vez toda aberta, possibilitou acomodar tranquilamente a mesa de jantar

O apartamento em Perdizes (SP), com 65 m², foi projetado para um jovem casal de advogados apaixonados por arquitetura e design. Projeto de Leandro Garcia, com colaboração de Gabriela Alarcon.

O projeto do apartamento em Perdizes (SP), com 65 m², foi pensado para um jovem casal de advogados apaixonados por arquitetura e design

 

Leandro Garcia: design e arquitetura

Em um bate-papo com o arquiteto é impossível falar apenas de um de seus focos de atuação. Por isso, no texto abaixo trazemos um resumo da conversa de quase duas horas, que mescla arquitetura, design, ações futuras e de como o profissional transita nessas áreas.

 

Olhando seu trabalho, percebe-se um traço muito intimista. Isso combina com a tendência de personalização dos lares que está em voga. Como você relaciona isso?
Nosso foco está no exclusivo, no inédito. Procuramos desenvolver projetos com estética atemporal e com foco total no cliente, seja ele pessoa física ou jurídica. É dele que devem vir todas as informações: suas características, quem é essa pessoa, o que ela faz, como é o seu dia a dia, como é a composição familiar. Tudo isso é importante e fundamental para desenvolvermos o projeto.

No final, o cliente deve se reconhecer no resultado e também as outras pessoas que o conhecem devem perceber que ficou “com a cara” de quem habita o espaço. A mesma coisa acontece com o mobiliário. Precisamos conhecer a indústria, que tipo de material deve ser valorizado e outra questões que nos auxiliem a fazer projetos únicos.

 

É fácil obter essas informações?

Não, tem que conversar bastante. Precisamos ouvir o cliente e estabelecer um canal de comunicação para que ele se sinta à vontade de expor suas opiniões e desejos para o espaço ou produto.

 

Nessas definições o estúdio leva em consideração as tendências de comportamento e as novidades no morar?
Sim, buscamos reunir as necessidades das pessoas com o que o mercado pede. E em termos de mobiliário temos a preocupação de que nossas peças possam ser facilmente combinadas e que se encaixem com o que a pessoa já tem em casa. Não pensamos em peças para serem o único destaque, buscamos contextualizá-las.

 

 

Arquitetura x mobiliário

Como funciona essa divisão entre projetos de arquitetura e de produto ao mesmo tempo?
Tentamos equilibrar tudo. Apesar de o design de mobiliário ter vindo após a arquitetura, ambos têm a mesma importância. Busco que uma coisa não sobressaia sobre a outra. Mas nesse ponto tem uma questão interessante: gostamos de desafios e novidades. Ou seja, estamos sempre buscando projetos que ainda não tenhamos desenvolvido no estúdio.

 

E o seu processo criativo?
Não tem muita receita, já que cada trabalho é único e cada cliente tem um perfil. O começo sempre é a conversa para se chegar ao ponto central, ao conceito. Depois disso, vem o desenvolvimento dessa ideia, seguido também por um período de amadurecimento. Quando praticamente esgotamos as soluções possíveis, elegemos as melhores e desenvolvemos o projeto.

 

Mas existe um processo de curadoria nos projetos de interiores?
Procuramos trabalhar o projeto como um todo. Então, no estudo preliminar já pensamos em peças de mobiliário e acabamentos. E além de priorizar a qualidade, também fazemos questão de acompanhar tudo do início até o fim. O trabalho de curadoria acaba sendo no momento de combinar as informações do cliente com o desenvolvimento. Às vezes gostamos muito de um mobiliário, mas não combina com o cliente, então temos que buscar outras alternativas.

Sempre lembramos também que o cliente faz um investimento grande em uma reforma ou construção. Logo, pensamos em agregar durabilidade. Nesse sentido, a atemporalidade é importante e também o uso de mobiliário de grandes nomes nacionais e internacionais, como Sergio Rodrigues, por exemplo. Se os móveis dele, projetados nas décadas de 50 e 60, ainda estão em alta, é porque são duráveis e não perderão valor de mercado.

“Criar com sofisticação e simplicidade”

 

Leandro Garcia: mobiliário e design assinado

O trabalho com mobiliário, quando e como se iniciou?
Em 2012 ou 2013, não lembro exatamente, mas começou por acaso. Um amigo abriu uma loja em São Paulo e pediu que eu desenvolvesse algumas peças para ele. Eu desenhei e precisávamos de alguém que executasse. Foi assim que nasceu a parceria com a Schuster Móveis & Design, meus móveis entraram em linha e eu passei a integrar a equipe de designers da marca.

A Cadeira Suspensa, por exemplo, foi desenhada em 2016 e foi a primeira ação com esse produto; a peça tem trazido um bom feedback dos clientes pelo conforto e ergonomia, devido ao balanço sutil, que surpreende. Agora, estamos desenvolvendo alguns produtos para a coleção 2017.

 

Mas já existem outras peças em produção…

Estamos avaliando alguns projetos independentes e pensamos em fazer algum tipo de poltrona, que é uma coisa que ainda não fizemos e também algumas peças menores, mais próximas de acessórios, como o Mancebo Varetas. De forma geral, estamos buscando simplificar o desenho, deixando ele o mais limpo possível e com o menor número de elementos. Mas o trabalho para chegar a essa simplicidade é complexo.

 

 

Mancebo Varetas em Milão

A peça, um dos destaques assinados por Leandro Garcia, é composta por três hastes de madeira. Inclinadas, elas se cruzam num disco metálico maciço, sendo fixadas por três pinos penduradores, também metálicos. O Mancebo Varetas também foi o primeiro móvel lançado em um evento internacional – e em grande estilo. O produto foi apresentado durante a Exposição Brazil S/A, em evento paralelo ao Salão Internacional do Móvel de Milão, na Itália. “Foi um grande privilégio e motivo de muito orgulho”, afirma o arquiteto.

Outros móveis lançados em parceria com a Schuster Móveis & Design são o Aparador Cascas, o Biombo Ripas e os buffets Bloco, Folhas e Quadros. Estão em comercialização ainda a Mesa de Jantar Raízes, a Mesa Hall Raízes, a Mesa de centro Barras e o Móvel de Som e TV Cascas.

A Mesa de Centro Tocos é outro projeto que vem colecionando elogios. É composta por um espesso tampo de vidro quadrado com vértices arredondados, cuja transparência destaca e deixa totalmente a mostra seus pés cilíndricos, que podem ser de diferentes materiais e acabamentos, numa mesma peça. Espaçadores e botões metálicos fazem a conexão entre tampo e pés.

 

 

Reconhecimento internacional

O reconhecimento pela qualidade do trabalho, que já vinha acontecendo com inúmeras publicações em revistas especializadas, este ano ganhou contornos internacionais. O Leandro Garcia Estúdio foi incluído entre os 20 melhores escritórios de arquitetura em ascensão do mundo, eleito pela publicação inglesa Wallpaper (Architects’ Directory 2016). A importância disso está em ele ser o único brasileiro que integra a lista.

Também figura entre os dez estúdios mais relevantes do Brasil na criação de mobiliário, segundo o site especializado Design Milk. Mais uma prova do sucesso da equipe em trabalhar arquitetura e design de produtos de forma igualitária.

“Esta é uma luta diária de fazer com que nada se torne mais importante, mas que tudo cresça junto de forma consistente e conjunta. Damos a mesma importância para o projeto de uma casa inteira ou para desenvolver um puxador de um móvel. Para nós, ambas as coisas têm a mesma importância, embora para alguns isso possa parecer meio maluco.”

Sobre o atual sucesso, aos 37 anos, Leandro Garcia mantém a simplicidade e os pés no chão. “O trabalho tem que existir o tempo todo, independentemente de reconhecimento ou de qualquer outra coisa. Os prêmios e reconhecimentos são importantes no sentido de motivar toda a equipe e de mostrar que estamos no caminho certo”.

 

 

Perfil: Leandro Garcia

O arquiteto Leandro Garcia se destaca no mercado com projetos de arquitetura e design de móveisArquiteto e Urbanista formado pela Universidade do Grande ABC (UniABC), Leandro Garcia iniciou seus estudos na área há mais de 20 anos, quando cursou colégio técnico [Desenho de Construção Civil (ETE Júlio de Mesquita)]. “Foi lá que aprendi desenho de construção civil com prancheta, nanquim, normógrafo, que eram os materiais usados na época. Isso me marcou e até hoje utilizo o desenho à mão nas minhas produções. Depois, agregamos as ferramentas como os softwares ou maquetes”, conta.

Sobre a motivação para seguir a carreira, Garcia acredita que deve ser muito parecido com o de outros profissionais. “Tudo iniciou com a paixão pelo desenho, desde a infância. Eu gostava de brincar com bola e carrinho, mas o papel em branco e os lápis coloridos eram mais atrativos”.

Na entrevista, Leandro também nos revelou uma passagem que marcou sua infância e ilustra a vocação para a arquitetura e o desenho. “É minha irmã que conta essa história, mas, segundo ela, quando brigávamos em casa muitas vezes eu, por ser mais velho, acabava indo para o quarto e ficava de castigo. Ela, com dó, ficava para fora e passava papel em branco por baixo da porta, para eu ficar desenhando”.

Hoje, além de comandar o próprio escritório, Leandro Garcia atua ainda como professor do curso de Design de Interiores no Centro Europeu, em Curitiba (PR), e no ISAE/FGV.