“Não há ganho sem dor”. Clichê, a declaração de Paulo Biacchi, como ele próprio ressalta, reflete o bom momento do estúdio Fetiche Design. Ao lado da também designer Carolina Armellini, o casal conquistou o cenário nacional e está muito mais próximo do público – incentivando as pessoas a criarem seus próprios móveis e objetos de decoração.
Sim, além de assinar móveis e outros produtos com um design limpo, leve e descontraído, o casal tem participação no programa Decora, do canal GNT. Com apresentação do arquiteto Maurício Arruda, o quadro apresentado por Carol e Paulo traz dicas de como criar peças bonitas e criativas com materiais encontrados no dia a dia.
Além da presença na TV, Paulo Biacchi conduz ainda o programa Tente Isso em Casa, no Youtube. De forma simples e descomplicada, o canal segue a ideia de disseminar a cultura do “faça você mesmo” (DIY) e já ultrapassou a marca de 1,2 milhão de visualizações. A iniciativa nasceu em fevereiro de 2016.
“Somos criadores de produtos e comunicadores de design”
Autonomia e processo
Os designers criaram o Fetiche Design Studio em 2008 com a intenção de ter autonomia no desenvolvimento de suas peças. O objetivo era mostrar algo novo, criando e produzindo com liberdade novas coleções. As conquistas, prêmios, exposições internacionais e parcerias criadas desde então demonstram que a premissa era correta.
Recusando a ideia de serem vistos como artistas – para eles, o design é processo –, Paulo e Carol também já assinaram móveis para Tok&Stok e Oppa. Ambas, reconhecidas por comercializarem peças de design com “grife” a um valor mais acessível ao consumidor.
Abaixo, na produção do pendente Farol e da luminária de mesa Farolete, o estúdio abraçou referências náuticas e vintage e uniu a leveza do acrílico à qualidade do alumínio. O time de criação também contou com Gabriel Freitas, e a peça é uma produção da Fetiche para a Tok&Stok.
“A produção nacional precisa parar de fazer mais do mesmo e a cada criação se perguntar: Estou fazendo algo relevante?”.
Mas é impossível esquecer que o trabalho do estúdio tomou forma em Curitiba (PR). A dupla está tão associada a capital paranaense que, em 2016, foi convidada a participar, em parceria com a NOS Furniture, do projeto de reestruturação do Café do MON. O espaço fica no icônico “Museu do Olho”, um dos principais pontos turísticos da cidade, e o convite foi do escritório do arquiteto e urbanista Jaime Lerner.
O novo mobiliário do Café do MON conta, além de mesa de jantar e de apoio exclusivas, com a Poltrona MON – cujo desenho remete à silhueta do museu. Sua estrutura é toda em madeira Tauari e o encosto é de palhinha natural.
Fetiche em São Paulo
A ida para São Paulo, em novembro de 2014, marcou uma nova época para o casal e o Studio. Com o pequeno Francisco, ainda aos oito meses de idade, deixaram a casa no nostálgico bairro São Francisco e se mudaram para a capital paulista. Foram consolidar e buscar novas oportunidades. Encontraram por lá um novo ritmo, um apartamento em Pinheiros e o designer Marcelo Rosenbaum.
Com ele, mantém uma parceria que rendeu (e rende!) projetos para gigantes como L’Occitane, Masisa, Pointer Revestimentos (Portobello), Oppa e TOG, entre outros projetos. Em comum, Rosenbaum e o FETICHE buscam um desenho com a identidade cultural do Brasil.
A criação do frasco da Deo Colônia Abraço para a L’Occitane au Brésil é um exemplo desse trabalho. No segmento moveleiro, já abordamos a sinergia na criação da coleção Essências do Brasil para a Masisa. Veja os detalhes nesse texto.
De muitas formas, o trabalho de Carol e Paulo (Fetiche Design) segue a proposta do famoso banco R540 – curioso, simples e criativo. Lançada em 2010, essa é uma das peças mais icônicas dos designers, onde a trama de espaguete plástico envolve duas estruturas metálicas circulares. “Estamos sempre buscando referências e significados além do formal e funcional para as peças”.
O repertório de projetos assinados também traz parcerias para outras importantes marcas. Entre elas, Artefacto, Clami, Florense, La Lampe, Micasa, Schattdecor e Schuster, para citar algumas.
Entrevista Fetiche Design
Paulo Biacchi e Carolina Armellini
É interessante perceber como a dupla mergulhou em uma divertida e rica proposta de tornar o design mais acessível e inclusivo. E, independentemente de qualquer ganho, isso exige sacrifícios familiares! Carol e Paulo também marcam uma geração de profissionais que busca formas de comunicar-se com o “novo” público – muito mais digital e que incorpora diferentes movimentos de consumo e pensar.
Confira o bate-papo e descubra o que mudou na vida deles e da Fetiche após a mudança para São Paulo.
Vocês levaram a Fetiche de Curitiba para São Paulo em 2014 – um movimento natural, em termos de mercado. No entanto, que influência as duas cidades exercem no trabalho de vocês? Essa mudança deixou marcas?
Para nós, o ambiente sempre influenciou muito o trabalho. Quando tínhamos o estúdio em Curitiba, em uma casa da década de 30 no centro histórico da cidade, foi um momento mais introspectivo do estúdio. A casa era aconchegante, tínhamos cachorro e passarinhos no jardim. Nesse período, críamos as peças mais icônicas e importantes do estúdio. Agora, em São Paulo, estamos vivendo a cidade e seu ritmo, e nosso trabalho reflete essa cadência. Estamos expostos, estamos nos comunicando, produzindo, além de produtos, conteúdo de design para o YouTube e TV.
Essa mudança de cidade envolveu sacrifícios pessoais? Vocês visitam Curitiba com frequência?
Com certeza. Nós nos mudamos quando o Francisco estava com oito meses; nós três ainda fragilizados pela nova experiência. Somar uma mudança de cidade a esse contexto foi uma insanidade. Vou soltar um clichê: “Não há ganho sem dor”, mas tocamos o barco e cá estamos, com o Chico super adaptado e feliz. Nesses dois anos voltamos pelo menos a cada dois meses para Curitiba, para rever os amigos e a família.
Colocar a mão na massa
O Fetiche embarca em projetos que ajudam a tornar o design mais acessível e democrático – os vídeos do Tente Isso em Casa são um bom exemplo. Qual a ideia por trás disso? O design no Brasil ainda é elitizado?
De certa forma, sim. Tivemos grandes avanços em relação ao entendimento do processo de design no Brasil. Porém, os industriais ainda olham para o design como custo, e não como investimento. Dessa forma, repassam o custo para o valor final do produto, o que os tornam menos acessível à maioria da população. Precisamos entender que o design auxilia em redução de custo de processo e de matéria-prima, inovação funcional e formal, diferenciando o produto no mercado e tornando-o mais competitivo, ponto.
A nossa ideia com o canal foi levar a cultura do design a mais pessoas, e dar a elas a chance de ter mais contato com essa realidade. A chance desse público se interessar, gostar e valorizar o design. Mostrar que, por trás dos objetos e móveis, existe um processo de pesquisa e criação. E claro, entregar peças lindas, que possam ser feitas em casa, gastando pouco e de forma fácil. Além disso, incentivamos o público a colocar a mão na massa.
Experiência com a TV
O que implica a participação de vocês no programa Decora? Essa atuação já trouxe mudanças na rotina da Fetiche?
Muda a rotina por conta das agendas de gravações. Foi preciso implementar um processo para os projetos semanais, pois além da TV, temos o canal no YouTube. Foi necessário ainda montar uma equipe para dar conta das entregas, já que a logística é grande. Olhando de fora pode parecer simples, mas a verdade é que criamos sob medida cada objeto, e é um projeto por semana.
Esse é outro processo, pois além de criar o produto, precisamos pensá-lo de forma que possa ser reproduzido em casa. Portanto, precisamos pesquisar materiais fáceis de serem encontrados, e depois pensar no processo de fabricação. É uma nova metodologia de criação que implementamos na rotina do escritório, com um olhar bastante didático.
Design x Arte
Vocês afirmam que design e arte são coisas diferentes. Por quê?
O design industrial tem como premissa a solução de problemas. A arte, a nosso ver, não. A arte, inclusive, pode gerar problemas, pode e deve ser o papel da arte contestar. O design industrial tem como objetivo o desenvolvimento de um produto que possa ser produzido em série, em escala. A arte, em geral, é de peça única. Na verdade, é uma confusão que nós também estamos assimilando. Em linhas gerais, acreditamos que quando uma criação não consegue ser replicada e acessar mais pessoas, ela se torna exclusiva. Mas, nós acreditamos que o papel do design, essencialmente, é ser inclusivo.
Quais são os projetos que vocês buscam atualmente?
Queremos continuar esse processo de inquietude e continuar nos comunicando, cada vez mais, com diversos públicos por meio do design.