Recentemente trouxemos algumas reportagens falando de um novo estágio de consumo, que atinge o design e a indústria, mas demonstra uma nova mentalidade e responsabilidade por parte dos consumidores. Denominado Lowsumerism, esse movimento defende que “menos é mais” e faz com que as pessoas adquiram o hábito de questionar tudo que consomem.
Lowsumerism não defende a extinção do consumo, mas é certo que a natureza não consegue se regenerar na mesma velocidade em que é demandada, sendo necessário propor inovações e soluções para quem está alinhado conceitualmente com esse comportamento emergente.
É nesse prisma de atuação, mais do que a estética ou a funcionalidade, em que o design ajuda a quebrar expectativas e atua como fator surpresa, principalmente nas criações recentes do design alternativo, que ensina ser possível consumir com mais inteligência.
Segundo estudos da Box1824, empresa de consultoria e tendências responsável pelas primeiras análises e discussões desse movimento, o desafio do design é manter a relevância em um “mundo cheio”. Quem precisa do excesso?
O casal Lyndon Neri e Rossana Hu, do escritório Neri&Hu, durante a participação no projeto Das Haus, na feira IMM Cologne, também levantou esse discurso sobre os rituais do morar. “Devemos começar a questionar onde estamos hoje. Se estamos usando os móveis da maneira certa? Quanto e o que precisamos? E o que é realmente a casa?”
A Comissão Europeia estima que mais de 80% do impacto ambiental de um produto é determinado no estágio do design
Novas propostas
Os estudos da Box1824 lembram que essas propostas e desafios do mundo e design contemporâneo tem pouco espaço para mudanças notáveis nas grandes indústrias e corporações, e é o movimento de pequenos empreendedores, designers e artesões que pode desenvolver com rapidez um produto experimental – seja para colocar seus esforços à prova em campanhas de financiamento coletivo ou para despertar grandes players.
Um aspecto interessante desse movimento diz respeito à própria reciclagem – ainda que ela pareça uma boa opção para um resíduo que poderia parar em um aterro. A recuperação de um material pela indústria quase nunca resulta em um produto de igual ou maior valor do que o original, e enfrenta dificuldades como a falta de estrutura nas cidades.
O designer holandês Dave Hakkens é um exemplo quando pensamos em reciclagem. Estima-se, são gerados mais de 310 milhões de toneladas de resíduos plásticos em torno do mundo a cada ano e menos de 10% desse volume é reciclado. “A maior parte desse lixo vai acabar no lugar errado, em aterros, oceanos e no estômago de animais”, diz.
Como alternativa, para incentivar ações de reciclagem do material e novos artesões, ele projetou uma máquina – de código aberto –, que está disponível para qualquer um baixar e construir.
Hakkens usou o maquinário para criar tábuas de cortar, tigelas, pranchetas e vasos de plantas que apresentam um padrão distinto de cores – tudo a partir de resíduos plásticos. O foco dele não está na venda dos produtos, mas na solução de reciclagem do plástico.
Nessa linha, vale ressaltar a iniciativa de três amigos italianos que conseguiram via financiamento coletivo, com o apoio de aproximadamente 4 mil pessoas, resolver um problema ambiental criado pelos cafés em cápsulas descartáveis. A solução apresentada pela WayCap é uma cápsula recarregável, que você pode preencher com café comprado a granel. Após o uso, a borra de café pode ser despejada em vasos, como adubo.
Na Alemanha, a cidade de Hamburgo proibiu a compra de cápsulas de café por repartições públicas desde o início deste ano, em um esforço para reduzir a quantidade de resíduos sólidos lançados ao meio ambiente. Produzidas com uma mistura de plástico e alumínio, além da borra de café restante, as cápsulas não são facilmente recicláveis.
Design – mobiliário e moda
Diante desse cenário, cresce também a ideia do upcycling, que eleva ou transforma a condição do material reutilizado. É fato! Esse tipo de ação e produto é quase que exclusivamente manual e em pequena escala, mas já é bastante visto na decoração e na moda.
A cadeira de Tatiane Freitas, feita com resina plástica e uma peça quebrada, é um exemplo desse movimento, assim como a marca de roupas Comas, idealizada pela estilista uruguaia Agustina Comas. “Todos os dias as fábricas descartam produtos que não passam pelos controles de qualidade e muitas peças são deixadas de lado. Para nós, essa sobra é matéria-prima”, diz.
Na linha de mobiliário produzido a partir da reciclagem, temos o exemplo dos designers Matteo Fogale e Laetitia de Allegri – ele, uruguaio, e ela, suíça –, que uniram esforços para explorar diferentes materiais e suas propriedades. Assim, a partir de materiais compostos de jeans, algodão e papel criaram uma coleção de móveis, reproduzindo a resistência e rigidez da pedra e a elegância do mármore.
A coleção, que reúne prateleiras, bancos, mesinhas, espelhos e diversos utensílios de menor porte, recebeu o título de ‘-ISH’. Em inglês, a terminação ‘ish’ é empregada para expressar a noção de similaridade, de aproximação e, ainda, de ‘ter as características de’ alguma coisa.
Além do fator ecológico, preocupação de ambos, a possibilidade de tornar mais acessível – logisticamente e financeiramente – o uso da pedra. “Esses materiais têm um visual deslumbrante e são fáceis de trabalhar. Nós conseguimos criar peças que são mais acessíveis e realizáveis do que com a pedra verdadeira. Também gostamos do aspecto da poesia de uma coisa bonita que imita o material natural, mesmo tendo sido criado a partir de lixo pós-industrial”, explica Laetitia.