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Como vamos viver no ano de 2030? O que é coabitação? O que estamos compartilhando? Para quem é isso e o que significa compartilhar? Como mudar a percepção dos espaços que habitamos? Como essa mudança se reflete na sociedade? Com o intuito de achar respostas para essas perguntas é que nasceu o projeto One Shared House 2030. Ele é uma iniciativa entre o Space 10, laboratório de tendências para o futuro da Ikea, e o estúdio de design comandado por Anton Repponen & Irene Pereyra.

O objetivo do projeto é explorar conceitos de coabitação e desenvolver ideias para a vida compartilhada. Com isso, espera-se encontrar soluções para resolver problemas atuais e futuros de habitação. Entre eles, acessibilidade, rápida urbanização, falta de moradias populares, restrições de espaço e mobiliário, e até solidão.

Trata-se de uma pesquisa colaborativa, anônima e online, que pode ser respondida por qualquer pessoa no mundo. Até o momento, mais de 80 mil pessoas de cerca de 180 países já participaram. Clique aqui para acessar o questionário (em inglês). “É uma pesquisa lúdica que visa obter insights sobre o futuro”, detalham Anton & Irene. “Esse é o primeiro passo na jornada de design”.

 

One Shared House 2030 é uma iniciativa entre o Space 10, laboratório de tendências da Ikea, e o estúdio de design Anton & Irene

 

Uma nova perspectiva

As perguntas se baseiam em diferentes temas e preferências, incluindo quais bens e serviços domésticos estamos dispostos a compartilhar. E que tipo de coabitação – tamanho e personalidade dos colegas – seria mais adequado. Quanto mais questões são respondidas, mais preciso é o cruzamento dos dados para definir o estilo de habitação ideal para cada perfil.

Por isso, surgem questões sobre origens, tolerância, energia, prós, contras e personalidade. Questões sobre espaço, tipo de mobiliário, privacidade, modelo de cozinha e animais domésticos também estão presentes.

É importante citar que os dados são abertos e os resultados podem servir como bússolas para designers, arquitetos e demais profissionais. De acordo com Irene Pereyra, “as informações são de código aberto e gratuitas para qualquer um usar”. Além de educar as pessoas sobre a convivência ao longo do caminho, a proposta é que todos possam usar esses dados para projetar novas instalações e produtos.

Para os leitores do Habitus Brasil, o conceito não é novidade, pois já falamos aqui da Community Zone. São moradias compartilhadas por indivíduos ou famílias inteiras, muitas vezes desconhecidos e provenientes de diferentes lugares.

 

Community Zone são moradias compartilhadas por indivíduos ou famílias inteiras, muitas vezes desconhecidos e provenientes de diferentes lugares

 

Dois pontos importantes sobre viver em 2030

A conversa sobre coabitação pode parecer radical, ou improvável, mas há algumas tendências que indicam que essa seria uma maneira de tornar a vida mais sustentável no futuro próximo. Mas, antes de mergulhar no Projeto One Shared House 2030, é preciso compreender duas questões.

  1. Segundo a Organização das Nações Unidas, atualmente somamos 7,6 bilhões de pessoas no mundo. Desse contingente, cerca de 54% vive em áreas urbanas. Esses dados exigem que arquitetos, designers e fabricantes de móveis se esforcem na busca por soluções inteligentes para otimizar os espaços. Agora, imagine um planeta com 1,2 bilhão de pessoas a mais e com 70% da população total vivendo nas cidades. Essa é perspectiva demográfica até 2030. Nesse ambiente de urbanização acelerada e consequente aumento dos custos relacionados ao morar, a coabitação surge como uma das principais soluções para o futuro.
  2. O que chamou a atenção do grupo de estudos é que não havia dados reais sobre co-vida. Nem do lado das pessoas que realmente projetam e administram essas instalações, nem do lado das pessoas que escolhem viver em comunidade. As operadoras de co-living não compartilham informações, fracassos ou histórias de sucesso. E não se sabe ao certo o que as pessoas querem ou pensam sobre conviver em comunidade. Isso não estava sendo rastreado ou documentado.

Atrativos da coabitação: Socialização e direitos democráticos

Aliás, de acordo com o levantado pelo estudo até agora, a maioria acredita que pessoas com experiência em design seriam as mais indicadas para desenvolverem uma comunidade compartilhada. Arquitetos aparecem em segundo lugar e membros da própria comunidade em terceiro. Contudo, os próprios autores deixam claro que ainda não há uma pesquisa qualitativa para entender essa percepção. Ao mesmo tempo, isso demonstra a força que o design tem ao trilharmos esse caminho.

O motivo principal pelo qual a maior parte dos participantes se atrai pelo conceito de coabitação, se dá ainda pela possibilidade de ampliar sua vida social. Num primeiro momento, o resultado surpreendeu os idealizadores do projeto, que acreditavam que fatores econômicos seriam determinantes. A motivação faz sentido, porém, ao considerarmos a era individualista na qual vivemos. “Estudos mostram que estamos ficando cada vez mais solitários e que não temos mais senso de comunidade. Já não falamos ‘oi’ para os nossos vizinhos e a cidade está cheia de rostos anônimos”, cita o estudo.

Segundo apontou a pesquisa americana General Social Survey, ao mesmo tempo em que passamos grande parte dos nossos dias em mídias sociais, nossa rede de contato na vida real é menor do que há 50 anos. A casa compartilhada aparece, então, como uma nova chance de socialização e vida em comunidade. A maior parte dos participantes, por exemplo, concorda que espaços como cozinhas e jardins devem ser de uso comunitário. Bem como acreditam em valores democráticos, com as decisões devendo ser tomadas em conjunto. Eles também se posicionam a favor da divisão igualitária dos bens e direitos sobre a propriedade. Esse, no entanto, é um modelo que ainda não é comum nos atuais espaços de vida compartilhada, administrados geralmente por empresas e sob locação.

 

Em relação ao mobiliário, a maioria gostaria de ter as áreas comuns mobiliadas e decoradas por designers. Entretanto, preferem ficar responsáveis por seus espaços privados

 

Casais sem filhos e mulheres solteiras são preferência

Os participantes também apontaram que prefeririam viver em comunidades pequenas, compostas por no máximo 10 membros. A única exceção se dá entre os “casais com filhos”. Eles preferem fazer parte de uma comunidade um pouco maior, entre 10 e 25 pessoas. Presume-se que ao optarem por compartilhar a vida com mais pessoas, possam dividir também o cuidado com as crianças, por exemplo. Aliás, creches e outras áreas comuns para o cuidado com os pequenos foram algumas das preferências indicadas por essas famílias.

As crianças pequenas e os adolescentes, porém, formam o grupo menos popular para se coabitar quando o assunto é a preferência dos participantes. A maioria deles estão mais dispostos a viverem com casais sem filhos e mulheres solteiras. Os animais domésticos, no entanto, são muito bem-vindos, um dos maiores consensos da pesquisa.

Outra descoberta interessante é que a maioria gostaria de viver com pessoas com diferentes experiências, estilos e idades. “Eu estou surpresa em saber disso. É adorável que, apesar dessa criação de ‘bolhas sociais’, quando perguntadas, as pessoas prefiram viver com outras diferentes delas”, opina Irene Pereyra. Entre as principais qualidades dos potenciais “housemates” destacam-se limpeza, honestidade e consideração.

Sejam quais forem os perfis dos membros dessa comunidade, nenhum dos respondentes relatou preferir viver em um espaço compartilhado com mais de 100 pessoas. A descoberta vai na contramão do que já está sendo feito por empresas que apostam no modelo de coabitação. O maior espaço co-living do mundo é o Old Oak, construído pela The Collective. O empreendimento fica em Londres e contém 550 camas e muitos espaços compartilhados. A americana Ollie também lançou seu shared-living space com 426 camas distribuídas em um prédio de 13 andares em Nova York.

 

A coabitacao aparece como uma nova chance de socialização e vida em comunidade

 

Falta de privacidade ainda preocupa no modelo de coabitação

A maior preocupação, porém, é a possível falta de privacidade. Apesar da indicação de que a coabitação é uma boa forma de socialização e que estariam dispostos a viverem em casas compartilhadas, a grande maioria ainda se preocupa com intrusos em seus ambientes privados. A pesquisa indica que eles preferem ter áreas privadas e espaços comuns bem definidos nos termos de uso da moradia. Seus quartos, por exemplo, são considerados áreas intransponíveis. Talvez, por isso, muitos apontaram que ficariam felizes se a comunidade fosse dividida em múltiplas casas em que pudessem circular fácil e livremente.

Lydia Choi-Johansson, especialista em inteligência da IKEA, explica que “as pessoas precisam de um balanço entre ‘meu espaço’, ‘seu espaço’ e ‘nosso espaço'”. O que indica, segundo ela, que apesar da disposição em compartilhar, sempre teremos um grande desejo de controle sobre nossos espaços e bens pessoais.

Em relação ao mobiliário, a maioria gostaria de ter as áreas comuns mobiliadas e decoradas por designers. Entretanto, preferem ficar responsáveis por seus espaços privados. “O que é interessante sobre isso é que estamos vivendo numa era que as barreiras entre os espaços públicos e privados estão cada vez mais borradas”, cita o estudo. “As cafeterias se tornam nosso escritório ou sala de estar. Dividimos nossas casas com estranhos no Airbnb ou carros através de plataformas de compartilhamento. Essa também é a era em que digitalizamos quase todos os aspectos de nossas vidas”.

Ainda assim, privacidade parece ser uma grande questão para uma considerável parcela dos participantes. Serviços de utilidade pública, internet, jardins e escritórios são o que as pessoas estão mais dispostas a compartilhar. Aliás, já falamos sobre espaços de trabalho híbridos e compartilhados em outro post.

 

Lydia Choi-Johansson, especialista em inteligência da IKEA, explica que as pessoas precisam de um balanço entre ‘meu espaço’, ‘seu espaço’ e ‘nosso espaço'

 

O que, não o porquê

Os idealizadores do One Shared House 2030 ressaltam que o projeto não é uma pesquisa científica, mas uma pesquisa dinâmica e divertida. “Ela foi desenvolvida para fazer com que as pessoas pensem no futuro do morar”. As informações coletadas são, portanto, quantitativas, não qualitativas. O que significa, basicamente, que as informações representarão o que as pessoas gostam ou não gostam. Contudo, elas não são suficientes para definir o porquê de tais preferências.

Apesar de haver uma divisão equalitária entre homens e mulheres, 85% dos respondentes têm entre 18 e 39 anos. A maioria deles são solteiros ou estão num relacionamento sem filhos e provêm do Norte Europeu, América do Norte ou Ásia. “Dessa forma, o conteúdo final não será capaz de refletir toda a população mundial. No entanto, acreditamos que essas respostas sejam reveladoras e recebam o mérito de empresas e pessoas que desenvolvem comunidades compartilhadas. Afinal, se há o desejo de tornar o conceito da coabitação em uma realidade palpável, eles têm que prestar muita atenção no que as pessoas querem”, finaliza Irene.

E você, pronto para o futuro?