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Edu Bortolai gosta do “plural”. A imagem de um Brasil multicolorido, tropicalista, exótico e sempre feliz, o agrada. Seu trabalho como designer, no entanto, foca particularidades do país. Um Brasil que é, ao mesmo tempo, de folclore e de personagens reais, que retratam nossa história. O retirante nordestino é um exemplo dessa pluralidade.

Em homenagem a esse personagem, criou uma poltrona com um processo criativo sensível e cuidadoso, que envolveu estudos de ergonomia para descobrir como o retirante se acomodava no pau de arara.

Consolidado no mercado brasileiro, o designer de Piracicaba (SP) se formou em Design de Produto na Faculdade de Belas Artes de São Paulo, em 2001. Dez anos depois, voltou à cidade natal para criar, ao lado da irmã, Cris Bortolai, o Studio B – escritório no qual realiza a direção criativa. Em 2014, veio sua marca, a Edu Bortolai – e uma série de prêmios, como Salão Design e o Idea Brasil. Suas peças já foram expostas em importantes semanas de design do mundo, como Milão, Nova York e São Paulo.

Mais do que gosto pessoal, a escolha das temáticas com as quais trabalha refletem um encantamento. “Quando falamos daquilo que assino, minha preocupação é não me apegar tanto ao mercado. Mas representar uma história, uma região, uma estética ou personagens que me inspirem”, conta Edu.

 

Edu Bortolai gosta do “plural”. A imagem de um Brasil multicolorido, tropicalista, exótico e sempre feliz, o agrada

 

O traço de Edu Bortolai

Sua trajetória profissional registra também uma longa passagem como designer interno da Tok&Stok, empresa com a qual tem parcerias ainda hoje. Essa passagem deixou marcas em seu trabalho. “Muitas vezes, acredito, acabo agradando ao mercado porque meu traço não é conceitual”, explica. Ele credita isso à uma formação profissional em um ambiente onde a vanguarda às novas ideias eram, de tão presentes, quase palpáveis. “Estamos falando da maior loja de design do Brasil”, reflete.

O objetivo de Edu Bortolai, cita, é ir em desencontro à saturação que envolve a demanda de mercado. “É possível mostrar que uma cultura criada por tantas outras pode gerar um design de personalidade única”.

Para o mercado internacional, o designer conta que apresentar o repertório plural da cultura brasileira, seu povo, raízes e histórias, que normalmente não são conhecidas pelos estrangeiros, não é desafio. Ao contrário! “A curiosidade sobre nossa cultura é algo que chama atenção”, diz.

Abaixo, as poltronas Lampião e Maria Bonita, criadas com exclusividade para a marca Benita Brasil. O processo criativo promoveu uma imersão no cangaço brasileiro, e nos principais personagens desta história.

Poltronas Lampião e Maria Bonita, criadas com exclusividade para a marca Benita Brasil

 

Processo criativo autoral x industrial

Segundo Edu Bortolai, lares são casas que contam histórias. Mas quando o assunto é o processo criativo dos objetos e móveis que ajudam a dar vida a esses lares. Há diferenças entre criar para a própria marca e criar para a indústria?

“Os limites de um briefing podem dar um norte mais fácil ao criar, ao direcionar uma pesquisa. Entretanto, estamos fazendo uma interpretação ou, muitas vezes, criando esta identidade com a nossa leitura”, pondera. O designer revela ainda que as limitações de uma indústria, por vezes, podem se tornar um pouco frustrantes – mas é uma confiança que vai se construindo.

Hoje, entre as empresas que contam com móveis assinados pelo profissional, estão Artefama, Benita Brasil, Moora Mobília Brasileira, Oppa, Toca da Movelaria e Tok&Stok.

 

 

Já a criação livre e autoral não está imune a “obstáculos”, uma vez que, para o designer, ela pode sofrer com a falta de objetivo. “Por vezes, ter que achar a inspiração é bem angustiante. Ter algo com o que se queria trabalhar, mas não chegar ao design pretendido é horrível; mas muito comum”, desabafa.

Edu resume a situação: “Uma é a vida de artista com limitações técnicas. A outra, a realidade industrial com ambições artísticas. O profissional é o malabarista no meio desse cenário. O desafio é se equilibrar”. Abaixo, Rack Design Steam, em madeira maciça, para a Artefama.

 

Rack Design Steam, em madeira maciça, para a Artefama. Projeto do Studio B, de Edu Bortolai

Novos processos

Outra característica valorizada por Bortolai é a sustentabilidade, valor que ele prioriza desde o início da criação do móvel. “Não dá mais para deixar de pensar em sustentabilidade, assim como em ergonomia. São questões intrínsecas ao design”, avalia.

O reaproveitamento de materiais, processo construtivo e o uso de materiais mais leves, que beneficiam logística, montadores e consumidores, são outros pensamentos sustentáveis para ele, uma vez que englobam toda uma cadeia. “Espero o dia que nem mais ressaltemos este tema, que seja corriqueiro e tão óbvio quanto a necessidade de uma cadeira parar em pé”.

 

O assento baixo da poltrona Retirante, do designer Edu Bortolai, vem da postura no pau-de-arara

Ping-Pong com Edu Bortolai

Na produção do banco Simples e da poltrona Retirante, você fez um estudo da postura dos personagens que inspiraram os móveis. Nos conte um pouco do processo criativo?
Ao criar produtos, principalmente do mundo do “sentar”, por mais convencional que seja o desenho, estamos direcionando a um estilo de vida, a uma certa postura, a uma atitude ao usar o produto no sentido mais racional da coisa. Portanto, a ergonomia desejada pode fazer parte da inspiração, seguir a coerência do desenho e da história pretendida. Design não é só a forma, como não é mais só a função. Nos dois casos, a ergonomia teve papel primordial para representar o design.

O assento baixo da poltrona Retirante (foto acima) vem da postura no pau-de-arara. Já a inspiração para a linha Simples foi o quadro de Almeida Junior – Caipira picando fumo (1893). Comecei a estudar imagens e a perceber a postura desses personagens e seus estilos de vida.

 

A inspiração para a linha Simples do Studio B foi o quadro de Almeida Junior – O Caipira

 

É a simplicidade do caboclo brasileiro na sua maneira de sentar e se apoiar que concebe a linha (foto acima), composta por cadeira e bancos de um e dois lugares. Para desenhar levei em consideração conceitos como a namoradeira, com encosto baixo, que serve para apoiar os cotovelos e dá aquela “quebrada” na postura. Já o banquinho de um lugar confere novos apoios para ficar mais largado, mudar de posição, jogar a perna para frente, o corpo para trás e ver a vida passar.

 

Quadro de Almeida Junior – Caipira picando fumo (1893) -, inspirou o designer Edu Bortolai

 

Inspirações e materiais

Piracicaba já te inspirou na criação de uma nova peça? Qual a influência das cidades onde você já viveu?
Fiquei muito tempo em São Paulo, mas hoje vivo em Piracicaba. A linha Simples nasceu quando voltei para cá. A engenharia, a inteligência da simplicidade dos encaixes, a cuia do assento e, claro, Almeida Junior. Apesar de a cidade ser grande, essa realidade ainda vibra por aqui! São Paulo tem algo no ar, sempre falo que chego lá e a cabeça começa a fervilhar de ideias. Pode ser que seja um reflexo da agitação da cidade. Mas não precisa morar, às vezes só de passar e ver uma cena ou uma paisagem, ou mesmo ao se deparar com a atitude daquele local acontece algo que te transforma.

 

Você tem preferência por certos tipos de materiais?
Madeira, acho que como a maioria dos designers brasileiros, né? O design brasileiro é a alquimia de transformar madeira em ouro. Mas eu me empolgo fácil; quando conheço coisas novas, me animo. Pode ser que algum dia eu mude de ideia.